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A literatura será a cura




A moça de cabelos azuis, carregando um radiante sorriso, subiu no palco. Com sua presença, trouxe um vigor impressionante.


Contou-nos a história de uma mulher que, logo que nasceu, fora abandonada em um orfanato. Lá, ainda jovem, foi assediada. Quando finalmente tomou coragem para reclamar, ouviu que tinha “comida e aonde dormir- e isso bastava”.


Até que, certo dia, uma família a adotou. No entanto, o sonho logo virou pesadelo: foi estuprada reiteradamente por aquele que era o seu irmão na nova casa.


Como uma luz em meios às trevas, em seu ventre começou a germinar aquela que seria o seu primeiro e único amor. Sentiu uma faísca indescritível de alegria ao segurar a sua filha, recém-nascida, nos braços. Mas foi acometida por uma tristeza ainda mais profunda quando a criança, aos dois anos, morreu de câncer.


Depois desta narrativa, olhou em nossos olhos de forma penetrante e perguntou: “se tudo isso acontecesse com vocês, o que fariam?” E saiu de nosso campo de visão.


Voltou com um espelho nas mãos e disse: “essa é a minha história”. E o que eu fiz foi poesia.


Vi nesta mulher uma sabedoria e uma beleza incomparáveis. O saber científico pode influenciar o nosso pensar, mas o poder da arte de afetar o nosso emocional e inspirar o nosso agir é incomparável. Acreditando nesta potencialidade transformadora da arte, transcrevo aqui, da forma mais fidedigna possível, o poema que ela recitou para nós de forma tão eloquente, sincera e impressionante:


“A realidade é triste.

Ninguém aguenta escutar!

Hoje, a minha e a sua vida

Não valem mais do que um aparelho celular.

A verdade tem que ser dita.

E foi num papel que eu consegui desabafar,

Mesmo sabendo que ninguém ia querer me escutar.

Por coincidência, me chamaram de ladra,

E eu virei ladra de mente!

Com isso, eu mostro que mulher não é só corpo.

Mulher é, sim, muito inteligente.

Os ladrões estão todos no planalto:

Roubando de terno e até de salto alto.

Enquanto isso, na sociedade, estão todos se maltratando.

Em meio aos olhares tortos,

Na terceira ponte os meus amigos estão todos se jogando.

Eu sei que o povo prefere mil vezes a televisão,

Do que ouvir uma louca, como eu, gritando no busão.

Mas quando ligo a tevê eu só vejo violência, racismo e preconceito.

Sobre isso, tem uma “louca” gritando, mas a ela ninguém dá nem ouvido e nem conceito.

Hoje eu tenho 27 anos.

Sou a resistência: ainda continuo lutando!

Mesmo sabendo que a sociedade vai olhar para mim

E já vai chegar desacreditando.

Já dizia Freud que a literatura será a cura.

Eu não sei se é verdade,

Mas troquei a ilusão de ter um fuzil e matar:

Em vez disso, comprei uma caneta Bic porque achei que era uma arma melhor

E comecei a desabafar.”


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