Viagem para Lisboa: esfera armilar e esperança
Ao embarcar no avião rumo à Lisboa, sob um céu límpido, encontrava-me repleta de expectativas quanto ao que viveria nas semanas a seguir. Agora, voltando para casa, percebo o quão inimaginável foi essa experiência: a história das sociedades humanas, expressa em belos monumentos e pinturas, é fascinante e repleta de mistérios, diante dos quais a nossa imaginação ganha espaço.
A princípio, conheci a cidade de Lisboa, capital de Portugal. Adentrar no cenário das Grandes Navegações, ao vislumbrar o horizonte do Rio Tejo, despertou em mim novas perspectivas. Foi interessante notar o quanto, na Era Medieval e Moderna, o significado de cada elemento da vida, desde um reinado até uma expedição marítima, ia sempre além do visível. Em outras palavras, os símbolos, as pinturas e os monumentos no cenário europeu trazem à tona crenças e perspectivas socioculturais, o que inspira espiritualidade e nacionalismo na população.
A esfera armilar, por exemplo, é um dos principais símbolos dos Descobrimentos Portugueses e está presente na atual bandeira portuguesa. Ela é um instrumento de astronomia aplicado em navegações: a pequena esfera no centro do conjunto representa a Terra, enquanto os anéis remetem aos paralelos e o anel mais grosso representa as constelações do Zodíaco. Assim, constitui um modelo físico da antiga concepção ptolemaica (geocêntrica) do cosmos.
Apesar do seu papel fundamental como instrumento científico e didático nos séculos XV e XVI, o significado da esfera armilar transcende o seu caráter instrumental. Se por um lado a sua observação permite aguçar a imaginação dos círculos da esfera celeste, por outro a sua contemplação permite interiorizar a beleza simétrica, ordem, constância e imutabilidade da obra universal do Criador. Isso é ilustrado na pintura a seguir, na qual o famoso teólogo Agostinho de Hipona contempla a esfera armilar:
Nesse sentido, este modelo do cosmos expressa a influência do céu sobre a terra, ou a influência do Divino sobre a matéria. Assim, a existência na terra teria como objetivo encontrar influência e direção na esfera celeste, tendo-a como destino: o propósito da vida humana é ascender à sua fonte. Graças a essa interpretação, a esfera armilar era associada à virtude teológica da esperança.
Quando, então, em 1495 o duque D. Manuel, quinto de uma linhagem co-lateral dinástica, conseguiu contra todas as expectativas ser elevado rei de Portugal, D.João II atribuiu-lhe como divisa pessoal (elemento que representava pretensa virtude dos seus detentores) a esfera armilar, remetendo à esperança de uma legítima e real sucessão.
Posteriormente, essa divisa revestiu-se de significativa carga simbólica, ao representar, no campo terreno e espiritual, o projeto expansionista de D.Manuel, tonando-se símbolo dos Descobrimentos Portugueses. Ela também foi muito utilizada na documentação e na arquitetura de seu tempo, como na famosa Torre de Belém, construída no “estilo manuelino”:
Por fim, percebo o quanto a compreensão do significado por trás de objetos, monumentos e circunstâncias tem o poder de ressignificar a visão que temos deles, o que enriquece o nosso imaginário. Na contemporaneidade, a difusão do materialismo - doutrina que identifica, na matéria e em seu movimento, a realidade fundamental do universo, com a capacidade de explicação para todos os fenômenos naturais, sociais e mentais- levou muitas pessoas a perderem a perspectiva e o entendimento sobre o transcendente.
Creio que, conforme diz William Shakespeare, “há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”, mas cabe a nós procurar o que apenas olhos atentos podem ver. Definitivamente, há riqueza e verdade nas entrelinhas da vida.