Um novo alvo para o amor
O sociólogo Zygmunt Bauman, com o famoso termo "líquido", sabiamente caracteriza a fluidez dos relacionamentos amorosos contemporâneos. Imersos nessa conjuntura, pouco ouvimos ou pensamos sobre algo crucial: como lidar com a fugacidade das interrelações? Será que estamos fadados ao "amor líquido"?
Primeiramente, por que o amor romântico assume, em nossas vidas, tamanha relevância? Acredito que o ponto de partida para essa discussão foi evidenciado pelo filósofo Arthur Schopenhauer: a infinitude dos anseios. Em outras palavras, o que nos move são as nossas vontades incessantes, ligadas aos insaciáveis desejos. Entre esses ímpetos, destaca-se a busca pela aceitação, pela admiração, pelo sentimento de pertencimento, pelo prazer, pelo afeto, pela aventura que nos traz a sensação de vivacidade... E, de certa forma e em certa medida, cremos que o relacionamento amoroso supre suficientemente esses nossos latentes anseios.
Essa crença é aprofundada pelas ideias transmitidas por meio das músicas contemporâneas, já que a grande maioria aponta o prazer sexual como principal fonte de satisfação ou como o centro das preocupações humanas, pelas idealizadas histórias românticas contadas nos filmes e séries e pela própria realidade da sociedade em que estamos imersos. De fato, o relacionamento amoroso pode sim suprir muitos dos nossos anseios mas, inúmeras vezes, isso acontece de modo efêmero e ilusório.
A enorme quantidade de relacionamentos destrutivos e fugazes, assim como a enorme frustração sentida por muitas pessoas, evidencia a insuficiência de um namoro ou casamento para suprir os nossos anseios. Assim, um dos erros muito recorrentes na contemporaneidade está no depósito de todas as nossas mais profundas expectativas em alguém. Então, quando percebemos a insuficiência do outro para a desejada realização pessoal, ou quando a responsabilidade de lidar com sentimentos profundos nos amedronta, queremos fugir. E, graças às possibilidades da vida pós-moderna, muitos decidem buscar o que entendem por felicidade em um novo alguém, incessantemente- daí a liquidez do "amor". Diante disso, como podemos lidar melhor com a nossa sexualidade?
De fato, somos seres complexos e com necessidades amplas: precisamos dar vazão aos nossos sonhos, explorar o nosso intelecto, fortalecer os laços familiares, aperfeiçoar a nossa espiritualidade, conhecer o nosso passado e as nossas fragilidades e, assim, cuidar de toda a vastidão do nosso ser. Enquanto o relacionamento amoroso funcionar como um escapismo para não explorarmos a nossa humanidade, nos frustraremos com o outro e com a nossa própria vida.
Portanto, a maior quantidade de relacionamentos não aumenta a probabilidade de realização: a busca corajosa por melhorar qualitativamente a nossa vida como um todo é que determina a nossa paz interior. Nessa perspectiva, a vitalidade de uma relação acontece quando o casal transborda, um para o outro, amor e compreensão. Por outro lado, a decepção amorosa acontece quando o casal procura, um no outro, tudo o que ainda falta neles mesmos. Para isso ser possível, precisamos nos preocupar menos em encontrar a pessoa ideal, e mais em nos tornarmos pessoas dignas e especiais- o que é uma eterna e bela construção. Isso não com o propósito do outro nos amar, o que pode ser uma consequência, mas com o fundamental intuito de nos amarmos e, um dia, transbordarmos esse amor. Até porque há uma intrigante naturalidade e espontaneidade na paixão, enquanto há uma árdua e valiosa construção intrínseca ao amor.
Por fim, não devemos buscar, mas sim construir o amor, tornando-o algo sólido em nossos corações ao desenvolvermos o nosso caráter. Aprendemos a amar por meio da relação com o outro, enquanto decidimos amar individualmente e diariamente. Particularmente, apesar das minhas inevitáveis fraquezas e imperfeições, buscarei, dia após dia, alcançar o amor em sua forma mais plena, conforme Paulo o descreve, em 1Coríntios 13:4-7 :
"O amor é paciente e bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha, não maltrata, não procura apenas seus interesses, não se ira facilmente e não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta."