O testemunho de Deus nas culturas ao redor do mundo; o relato antropológico da revelação de Epimênid
Ao longo da história, inúmeros foram os conflitos entre as diferentes religiões. Tendo em vista as discrepâncias ideológicas entre elas, apesar de ter plena convicção do Deus que creio, que se revelou a nós por meio de Jesus, comecei a me questionar sobre a legitimidade ou não das outras religiões, como o hinduísmo e o budismo, por exemplo. Essa é uma questão muito profunda e complexa, mas chegou em minhas mãos um livro que me esclareceu algo que foi fundamental nessa discussão.
Começo questionando: como chegamos ao monoteísmo? Antes de Jesus vir ao mundo, muitos profetas já anunciavam a sua vinda. Uma divindade única e suprema se revelou aos homens em um dado momento (em muitos momentos, na verdade), mas quem é ela? "Deus"? Se esquecêssemos a nomeação, o que faz aquele que chamamos de Deus ser essa única divindade? Jesus nos revelou muito sobre Ele, mas antes de sua vinda e para culturas que não tem acesso à doutrina cristã, ou seja, se abríssemos mão de toda a religiosidade, o que falaríamos sobre o transcendente? O sobrenatural está além do natural e, assim, de toda a cultura humana.
O livro O Fator Melquisedeque, do teólogo Don Richardson, procura por meio de relatos antropológicos fascinantes mostrar o testemunho de Deus nas culturas através do mundo. O termo "Melquisedeque" é uma alusão ao sacerdote a quem Abraão prestou homenagem no livro de gênesis, e "O Fator Melquisedeque" é a designação dada à consciência universal da existência de um Deus único entre as diversas expressões culturais e religiosas dos diferentes povos ao longo da história. Logo no primeiro capítulo, ele conta um relato histórico escrito por Diógenes Laércio, um autor grego do século III A.D. Este nos ajuda a entender o que é essencial na relação do divino com a humanidade.
Naquele tempo, uma terrível praga caiu sobre Atenas. Cultuavam-se centenas de deuses naquela cidade e, então, inúmeros sacrifícios foram realizados para que esses deuses os libertassem da praga, porém nada adiantava. Mandaram, então, que os atenienses enviassem um navio para a ilha de Creta e trouxessem o sábio filósofo Epimênides, já que este saberia como apaziguar esse deus ofendido.
Indo direto ao ponto, quando o filósofo chegou em Atenas, ele propôs o seguinte:
- Amanhã, ao nascer do sol, tragam um rebanho de ovelhas, estando todas sadias e famintas (vocês não devem deixa-las comer depois do descanso noturno), um grupo de pedreiros e uma grande quantidade de pedras e argamassa até a ladeira coberta de relva.
No outro dia, então, tudo estava como ele pedira. Então, ele explicou aos anciãos:
-Vocês já se esforçaram muito ofertando sacrifícios aos seus numerosos deuses; entretanto, tudo se mostrou inútil. Vou agora oferecer sacrifícios baseado em três suposições bem diferentes das suas.
Minha primeira suposição é que existe um outro deus interessado na questão dessa praga, cujo nome não reconhecemos e que não está, portanto, representado em qualquer ídolo em sua cidade.
Segundo, vou supor também que esse ser é muito poderoso e suficientemente bondoso pera fazer alguma coisa a respeito da praga se apenas pedirmos a sua ajuda.
A terceira suposição é que qualquer deus suficientemente grande e bondoso para fazer algo a respeito da praga é também poderoso e misericordioso para nos favorecer em nossa ignorância - se apenas reconhecermos a mesma e o invocarmos.
Epimênides, então, orou com uma voz profunda e cheia de confiança:
- Ó, tu, deus desconhecido! Contempla a praga que aflige esta cidade! E se de fato tens compaixão para perdoar-nos e ajudar-nos, observa esse rebanho de ovelhas! Revela a tua disposição para responder, eu peço, fazendo com que qualquer ovelha que te agrade deite na relva em vez de pastar. As que escolheres serão sacrificadas a ti - reconhecendo a nossa lamentável ignorância do teu nome!
Quando soltas, as ovelhas, famintas, começaram a pastar com rapidez e voracidade. Um tempo depois, algumas começaram a dobrar os joelhos e deitar na relva. Os atenienses, perplexos, construíram os altares para o sacrifício das ovelhas que estavam descansando, e gravaram nestes as palavras agnhosto theo, que quer dizer: a um deus desconhecido.
A cidade de Atenas, um tempo depois, foi liberta da praga. Com o correr do tempo, porém, o povo de Atenas foi esquecendo da misericórdia que o "deus desconhecido" de Epimênides lhe concedera. Os atenienses se gabavam por adorar centenas de deuses que, para sua frustração, nem mesmo um número infinito deles seria capaz de preencher o espaço deixado pelo Deus verdadeiro.
Essa história é posta em evidência na bíblia no livro de Atos, quando Paulo, em sua viagem a Atenas, que ainda era politeísta, disse:
"Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; porque passando e observando objetos de vosso culto, encontrei um altar no qual está escrito: ao deus desconhecido. Pois bem, esse Deus que vocês adoram sem conhecer, é exatamente aquele que eu lhes anuncio." (Atos dos Apóstolos, 17: 22-23)