Um Encontro Amável
Ela gritou desesperada. Mais uma vez se via imersa no vazio que assolava seu coração. Sempre tentava gritar na mais alta voz, correr, pular e se movimentar até se rasgar, mas ainda assim, não era o suficiente para superar a agonia de um sentimento que constantemente fugia ao seu controle. Ela amava a tristeza, sempre que a sentia seu coração se confortava, porque com isso, ao menos ela percebia que ele estava lá. E quando passava, vinha uma alegria imensa de saber que depois de toda tempestade nasce um dia ensolarado. Mas na maior parte do tempo chegavam as nuvens e ela ficava naquele estado frio, não é ensolarado nem chuvoso, é um neutro e destruidor nublado. Certo dia o amor bateu à porta, ela olhou pelo olho mágico, mas não viu ninguém. Ele insistiu em bater, ela podia ouvir o chamado, mas não o enxergava. O amor, cansado de insistir, pensou em deixar de lado as tentativas de adentrar o coração duro da moça, porém, preocupado com a possibilidade de largar uma alma vagando sem sentido por ai, resolveu tentar tocar mais uma vez. Tocava incessantemente e prometia que se entrasse, a faria sentir, se ela ao menos confiasse... Tentada pela proposta que o Amor a fez, ela resolveu dar uma chance, num impulso abriu a porta. Naquele momento, esperava encontrar uma pessoa pronta a oferecer todos aqueles artifícios sedutores que ela costumava ver nas séries de televisão, ou sentir milhares de borboletas invadindo seu estômago e suprindo toda aquela falta que ela não sabia preencher, mas não foi bem assim. Ela logo se enfureceu, acreditando que mais uma vez sua tentativa tinha sido em vão e que novamente haviam pregado uma peça em seu coração. Prestes a aumentar suas barreiras, murmurou tanto que subitamente seus olhos pareceram despejar um oceano. Era uma sensação nova para ela, que ainda em seus momentos sozinha, no qual aproveitava a tristeza na sua forma mais bela e poética, não chorava. Dessa vez, porém, ela se derramou. Parecia que tudo dentro dela estava corroendo, finalmente ela enxergou o quanto reprimia seus sentimentos. Pensou que o objetivo do toque seria proporcionar este tipo de percepção, mas com isso, logo voltaria a sua monótona vida, na qual a solidão era sua única companhia, e o vazio, sua única opção. Logo se conformou, aceitando que esse seria o sentido de sua vida, mas ao fechar a porta, Ele tornou a tocar. Ela esbravejou, perguntando o porquê dele continuar tocando sem a suprir. O amor, no entanto, a explicou que muitas vezes abrimos o nosso coração, mas, por ele estar cheio de outros sentimentos e marcas, não há espaço para que Ele entrasse. Muitas vezes, também, esperamos tanto uma ideia idealizada, que ao abrimos a porta, não reconhecemos o real amor, e não o recebemos. Afinal, é difícil desejar a um desconhecido que ele se sinta em casa. Então, pediu a moça que o permitisse se apresentar novamente. Ela abriu uma gretinha dessa vez, mas ao fazer isso, milhares de sensações inundaram seus tecidos. Isso a enlouqueceu. Suas primeiras reações foram uma liberdade extrema e uma paz absurda. Não podia se conter. Pela primeira vez ela havia sido capaz de sentir algo verdadeiro, e aquilo soava maravilhosamente bem. Ela perguntou se isso era sentir o amor. Desde antes de haver um vazio em você, eu comecei a te chamar. Quando você era mais nova era tão cheia de mim, mas à medida que foi crescendo, se rendeu a influências de outras pessoas vazias. Não pense que eu desisti delas também, eu constantemente estou a tentar traze-las de volta, mas nem me escutar sequer elas escutam. Eu fui te chamando baixinho, esperando que isso viesse de você. Ao se relacionar com os outros, você reluzia muito mais bondade do que imaginava, e sim, isso é uma característica minha. Quando vi que você estava esfriando seu coração, depositei meu cuidado sobre você. O Amor te amou. Você inspirava nos outros tudo aquilo que não se permitia sentir. Sim, exatamente isso, você não sentia porque não se permitia. Não estou dizendo que você não queria, querer qualquer um quer, mas, para sentir o amor é necessário sair da zona de conforto. Para experimentar da plenitude do amor, é necessário que você perceba o que é o deserto. É como quando pegamos uma gripe: Antes dela não podemos notar o quanto estar saudável é uma benção, mas, quando ela nos contamina, sentimos uma extrema falta dos momentos de saúde, e foi isso que eu fiz com você. Mas perceba também que depois que a gripe passa, o tempo passa e estar saudável torna-se nossa rotina, nos acomodamos com isso, até que o valor que damos vai ficando distante, tão distante que paramos de tomar vitaminas que evitem a gripe e nos tornamos suscetíveis a contrai-la novamente. Portanto, eu te digo: eu te dei uma chance de voltar para mim, e te fiz provar de mim abundantemente, mas, haverão momentos que minha presença não estará tão clara.
Há porém um caminho: se buscar o Amor todos os dias em cada pensamento e ação seus, você poderá encontrar o amor nas mais simples coisas, e digo mais, encontrará mais amor do que jamais imaginou em seu interior...
Raquel Matiello Alves