Rogério: a personificação dos males
Em 2016, a banda Supercombo lançou um álbum novo, denominado "Rogério". Nele, ela utiliza uma linguagem urbana, atual e descontraída, ostentando um bom pano de fundo de rock e engajado a múltiplas possibilidades sonoras, para compor uma arte autêntica
.
Atualmente, músicas vazias em significado e crítica dominam o nosso cotidiano. Em contramão a esse movimento, o conteúdo ideológico das músicas da Supercombo é não só acessível, como extremamente a par da realidade dessa nova geração a qual estamos inseridos e dos reflexos de suas características na psique humana.
A começar pelo título, "Rogério" é uma metáfora que procura personificar o mal que há dentro de nós. Aqueles pensamentos que nos rechaçam todos os dias e, inegavelmente, nos angustiam inúmeras vezes. Apesar da profundidade de seu significado, o tom humorístico do nome estabelece um diálogo próximo e satírico: bem no estilo de nós, brasileiros, que procuramos "rir para não chorar."
As músicas Rogério e Magaiver, respectivamente, expressam:
"E todo mundo te usar como garoto propaganda pra todo mal que existe nesse mundo."
"Cheguei no fundo do poço, dei aquele tibum. Me banhei nessa água deliciosa feita por quem só chora.(...) Procuro abrigo na mão do perigo, me encontro perdido no espaço e na hora. O valor do ter, o valor do ser, vão te fazer tropeçar em você."
Apesar das inúmeras linhas de análises que podem ser estabelecidas por meio desses trechos, acho interessante discorrer sobre o fato da nossa sociedade estar "anestesiada".
Nós temos necessidades como a autoaceitação, o relacionamento, a conquista e o entretenimento, que devem ser supridas de alguma forma. O sistema que nos rodeia nos apresenta soluções prontas e, muitas vezes, superficiais para suprir tais necessidades. Enquanto isso, o autoconhecimento, o relacionamento regado pelo amor e as demandas existenciais são rechaçadas, negligenciadas e desprezadas; afinal, estas não são interessantes para a manutenção de uma sociedade pautada na exploração de nossas necessidades para que se alcance o lucro e a produtividade.
Assim, nós de fato servimos como "garoto propaganda", muitas vezes, já que reafirmamos e validamos ideias como a importância da roupa na construção do valor social de alguém, por exemplo. Enquanto isso, o valor do ter (não só material, mas também de aspectos como o "status social") só se expande e nos domina, e o valor do ser se dilui. Afinal, ser o que? Ser para que?
O "tropeçar em si mesmo" ocorre quando nós somos determinados por fatores externos que nos apresentam como a melhor alternativa, e aí nos "abrigamos no perigo" e nos afastamos cada vez mais de nossa identidade. Ser aceito, na contemporaneidade, é tão mais fácil quando engolimos o padrão, não é?
Por fim, muitas vezes "no fundo do poço", nós preferimos insistir em dar "aquele tibum" e nos aproveitarmos dele, já que é lá que estamos e não vemos outro lugar para estar. Enquanto isso, nadamos nas lágrimas de quem é usado, de quem não se conhece, não vê sentido na existência e não encontra alguém para expor suas angústias e fraquezas. Muitos, ainda, só curtem o fundo do poço. E, infelizmente, nunca mais saem de lá, já que é aí que entra a anestesia: muitas são as formas de entretenimento que nos distraem o bastante para ignorarmos a dor.
Sugiro que ouçam as músicas para extrair delas as próprias reflexões. Espero que divirtam-se com as brilhantes músicas do grupo (e, quem sabe, com uma própria vida brilhante também).