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Um intrigante delírio

Fechei os olhos. Era uma espécie de floresta, livre dos dedos humanos. O sol beijava o mar, proporcionando tons alaranjados e um vermelho vibrante a dominar o céu. Sentia frio, mas era agradável sentir o toque do vento, puro e agitado. Ao me sentar em um tronco de árvore caído, um leve movimento próximo a mim fez com que eu redirecionasse o meu olhar. Lá estava ele. Um menino pequeno, que aparentava ter entre 6 a 8 anos, pardo e de longos cabelos negros.
Levantou o olhar, que se fixou para além dos meus olhos. Não sabia descrever aquela cor, mas era como a dos pelos de um leão, e me hipnotizavam. Estava completamente envolvida por aqueles olhos pequenos e calorosos. Senti uma onda de tensão invadir meu coração, e perguntei assustada:
- Quem é você?!- ele sorriu com o canto da boca. Deu de ombros, e falou:
- Quem é você? - Estava intrigada. Percebi não reconhecer aquela situação, e fiquei quieta a refletir por alguns instantes.
- Menina, não tem sentido mesmo.
- O quê?
- Não tem sentido pra você.
- Você está me deixando confusa! Sobre o que está falando? Espera... Você não me respondeu ainda, quem é você?!
Ele riu, calmamente. Exalava doçura e saúde, o que fez com que eu me sentisse mais calma, de alguma forma. A angústia, porém, ainda me afetava.
- Não sei como a bagunça aí dentro está tão grande se, na verdade, não tem nada. Não tem sentido.
- Espera! Eu não estou entendendo sobre o que você está falando.... Não mesmo!!!
- Então me responda, menina! Quem é você?
- Meu... Meu nome é Dandara, tenho 16 anos. Moro com meus pais e meu irmão. Satisfeito?
- É isso mesmo que você é? Um nome, uma idade, e parte de uma família... Quão incomum! - debochou ele. Não senti raiva de suas palavras, como sentiria comumente. O tom calmo e sadio permitia que eu sentisse confiança no garoto, mas ainda não em mim mesma para responder aquela simples pergunta.
- Tudo bem... Seja mais específico então.
- Quem é você, Dandara? O que te faz ser você, especificamente você!
- Eu sou.... Tudo bem, vamos lá. Sou alguém que me interesso por música. Gosto de sentir e relembrar momentos através delas. Tenho um namorado, seus cabelos são grandes e seus traços são rudes. Gosto de senti-lo, mas além disso, sou alguém sensível ao amor. Ele me invade por completo, sabia? Penso que talvez seja tudo sobre ele, ou sobre a ausência dele. Mas guardo tudo o que sinto dentro de mim, porque isso me mostra frágil, e aprendi que não é bom se mostrar assim. Ou talvez, sou só meio introspectiva mesmo. As vezes me sinto insuficiente, e eu odeio me sentir insegura. Gosto de andar por aí rindo, fazendo amigos... Admito que não é difícil me estressar. As vezes, o profundo espaço em branco na minha cabeça me tortura e faz insurgir a angústia. Mas todos se sentem assim, não é? Angustiados.
- Sim, todos. A diferença é como eles agem em relação à esse espaço vazio que há nas mentes, e é isso que os faz serem quem são. Alguns, colorem o espaço em branco com tons claros, outros com cores intensas e vibrantes. Você é do tipo que deixa ele lá, em branco, não é?
- Acho que sim.... Não entendo o que você quer dizer com isso, exatamente.
- É por isso que não faz sentido. Você não dá sentido não, menina.
-Sentido pra que? Acho que dou, só não entendo o que você está querendo dizer.
-Você saberia exatamente sobre o que estou falando desde que te olhei pela primeira vez se soubesse.... - ele sorriu, e acariciou o meu rosto. Me senti invadida por um alívio inexplicável, e procurei simplesmente tentar responder:
- Meus sentimentos são o sentido! Esqueci de dizer quando falei sobre quem eu era, mas ajudo as pessoas com meu carinho e disponibilidade, por exemplo. Com isso, faço com que elas se sintam bem, assim como eu me alegro com isso. Amo meu namorado, e é por isso que estou com ele. Acho que é isso, meus sentimentos são o sentido, se é isso que você está querendo dizer com suas metáforas.
- Porque diz tanto a palavra "acho", Dandara? Por que anda tão insegura?
- Já disse, eu só não sei bem se é isso o que você quer dizer...
- Se eu disser que é. O sentido das suas ações, são seus sentimentos?
- Então sim.
- Seus sentimentos já te preencheram por completo, menina? Você já se sentiu completamente feliz, ou até completamente infeliz, por um longo período de tempo?
- Mas é claro que não! Ninguém, eu acredito, isso é impossível!
- Mas se são eles que dão sentido a toda a sua vida, não deveriam preenche-la? Não deveriam ocupar o espaço em branco que faz parte de você?
Estava confusa, mas profundamente curiosa. Fiquei quieta, olhei para aquela paisagem tão bem construída e pensei sobre aquilo tudo ser um delírio. Mas meu coração batia forte, eu estava completamente envolvida por tudo aquilo. Instigada, perguntei ansiosa para o garoto:
- Qual seria o sentido, então?
Sua expressão leve e contente deu lugar à uma onda de decepção. Olhou dentro dos meus olhos, aquelas cores me torturando por completo:
- Você sabe.
- Carolina Marcondes.

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